17 de Dezembro de 2020, às 12:00
Reconhecido como um dos maiores artistas brasileiros, Caetano Veloso é dono de um longo repertório, com grandes músicas que fazem parte da história e da memória afetiva de muita gente.
Com grande habilidade na criação das letras, frequentemente recorrendo a metáforas e jogos de palavras, Caetano imprime às suas músicas reflexões filosóficas e qualidade poética que fazem delas importantes obras literárias também.
Um exemplo disso é a canção Podres Poderes: lançada em 1984, já próximo ao fim da ditadura militar, a letra faz uma crítica à situação sociopolítica do Brasil, trazendo referências que nem sempre ficam claras à primeira vista.
Por isso, trouxemos uma análise da música Podres Poderes para você entender tudo sobre o que trata a letra. Vem ver!
Como o nome já diz, Podres Poderes fala sobre as implicações do uso do poder, principalmente a forma abusiva como o poder é exercido.
Logo no início, Caetano já se mostra revoltado com a dinâmica social brasileira, na qual, assim como os homens poderosos exercem sua autoridade de maneira vil e corrupta, os homens comuns estão transgredindo as leis e prejudicando a sociedade da mesma forma. Somos uns boçais, é a conclusão a qual ele chega.
De forma irônica, ele declara que até gostaria de se impressionar com os burgueses e os japoneses — em uma referência à elite capitalista e aos símbolos do avanço tecnológico global — mas tudo é muito mais: ou seja, aqui, no Brasil e na América Latina, há questões muito mais complexas com as quais se preocupar.
Uma delas são as ditaduras que tomaram a América do Sul ao longo do século XX e que, no Brasil, estava perto de chegar ao fim.
Assim, chamando a atenção para a tolerância da ética católica com governos ditatoriais, Caetano reflete se seria o destino do Brasil, e dos países da América Latina, estar sempre submetido a ditadores que impedem o avanço e a liberdade.
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos
Quando olhamos para o Brasil de 2020, quase quarenta anos depois, vemos que os versos acima soam quase proféticos.
Da mesma maneira, soa extremamente atual a referência que Caetano faz aos grupos sub representados no país, como mulheres, negros, indígenas e pessoas LGBTQ+, que fazem o carnaval, apesar da lamentável situação na qual o país se encontra.
Isso porque é durante o carnaval que, momentaneamente, as diferenças são deixadas de lado e, muitas vezes, até celebradas.
Nesse contexto, o autor pode tanto estar falando literalmente sobre a festa pagã, que contrasta com a América católica, na qual pessoas oprimidas podem ter um momento de libertação, como também estar dizendo que, apesar de serem oprimidos, esses grupos resistem e celebram a vida.
É interessante notar como fica claro que os homens que estão exercendo seus podres poderes fazem parte do grupo oposto: hétero, branco, burguês e privilegiado.
No entanto, Caetano não consegue cantar afinado com eles porque, no restante do tempo, o sangue continua jorrando nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos gerais.
Ou seja, para o sujeito da música, não há como esquecer por um momento das mazelas do país e ter conciliação com o grupo que está no poder, uma vez que este banaliza a fome, a raiva, a sede e a morte.
Assim, ele conclui se perguntando se apenas a música e a cultura brasileira serão capazes de oferecer alguma alegria e lampejo de esperança para os que almejam sair das trevas.
Hermentinos pascoais, os tons e os mil tons, com seus sons e seus dons geniais e seus tins e bens e tais faz uma referência a grandes nomes como Hermeto Pascoal, Tom Jobim, Milton Nascimento, Tim Maia e Jorge Ben. É a música como poder político.
No fim das contas, Podres Poderes é uma canção de protesto não apenas contra a ditadura, mas também contra a corrupção e o descaso das classes governantes e conivência de parte da sociedade brasileira. É uma canção que grita pedindo por mudança.
Lançada em 1984, no álbum Velô, Podres Poderes foi escrita durante um período conturbado: o Brasil entrava em um período de transição entre o fim da ditadura e a redemocratização, com o movimento Diretas Já ganhando força em meio a um clima de incertezas.
No mundo, tanto a União Soviética quanto os Estados Unidos, maiores representantes dos sistemas socialista e capitalista, respectivamente, enfrentavam crises. O maniqueísmo do bom versus mau começava a ganhar nuances importantes.
Por sua vez, Caetano Veloso estava com 42 anos, em uma fase mais madura da carreira, na qual as inquietações da Tropicália já estavam superadas e davam lugar a novas buscas, linguagens e reflexões.
Assim, a música surge como uma forma de criticar os modelos políticos vigentes na época e expressar a angústia do autor frente à indefinição do futuro. Isso fica claro quando ele utilizar a palavra será repetidamente:
Será, será, que será?
Que será, que será?
Ele declara que não consegue nem gritar como são lindos os burgueses, nem cantar afinado com o povo que festeja nas ruas, uma vez que, em seu entendimento, nada disso solucionaria os problemas que o país enfrenta.
Dessa forma, o autor parece querer demonstrar que a mudança social e política só aconteceria de verdade no Brasil através de uma transformação cultural da sociedade, que deveria deixar de tolerar tanto o autoritarismo e a corrupção política quanto as cotidianas.
Curtiu a análise da música Podres Poderes? Então aproveita pra conferir também nossa seleção de frases do Caetano Veloso para se inspirar e compartilhar!
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