12 de Novembro de 2020, às 19:00
A música é uma manifestação cultural e social incrível. Mesmo que grande parte seja feita para dançar e se divertir, temos incríveis exemplos de quando a música é usada para fazer críticas sociais.
As canções de protesto tem como objetivo trazer a tona problemas sociais, políticos ou econômicos de seus recortes históricos.
Em todos os lugares do mundo, inúmeras vezes, a música foi utilizada como voz sobre algum assunto. Aqui no Brasil, por exemplo, a música foi reconhecida como uma grande voz contra o período da ditadura militar.
As músicas eram tão poderosas que resultaram no exílio de muitos artistas incríveis como Caetano Veloso e Chico Buarque.
Separamos as canções de protesto mais emblemáticas para você conhecer um pouco sobre a história e o poder por trás de cada uma delas.
Vamos relembrar as melhores canções de protesto e falar um pouco sobre o contexto social e político em que cada uma está inserida. Começando pelo nosso Brasil:
Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores foi considerada um hino da resistência popular e estudantil em oposição à ditadura militar. A partir da AI-5, que institucionalizou muitas práticas não democráticas, incluindo a censura, a canção foi proibida.
Uma das provas de que essa música foi extremamente influente para sua geração e contexto histórico foi ela ter vencido em segundo lugar o Festival Internacional da Canção em 1968.
Em sua letra, Geraldo constrói uma narrativa de incentivo à resistência e esperança para a derrubada do governo. Trechos como caminhando e cantando eram ecoados em inúmeras manifestações contra o governo.
Geraldo Vandré foi perseguido pelos militares e foi forçado a exilar-se, após passar dias escondido na fazenda da família do escritor Guimarães Rosa.
Conheça a análise completa da música Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores
Alguns anos após a música de Vandré, Chico Buarque apresentou Cálice ao Brasil. Originalmente escrita e interpretada com ajuda de Gilberto Gil, foi criada em 1973, mas só foi lançada 5 anos depois, em 1978.
Isso porque sua letra é repleta de metáforas, fazendo analogias à ditadura militar e a problemas muito graves como o envolvimento de políticos em mortes, tortura, repressão e censura. Infelizmente, como a canção de Vandré, Cálice também foi censurada.
É uma canção extremamente inteligente pois tenta driblar a censura que pairava no país. Exemplo disso são trechos como:
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Chico faz um jogo de palavras com cálice e a expressão cale-se. E que o ato de se calar, ou seja, a censura por trás estaria suja de sangue.
Confira aqui a análise completa da música Cálice
Alegria, Alegria, composta por Caetano em 1967, foi o marco do tropicalismo. Por ser uma música extremamente poética, muitas pessoas têm inúmeras formas de interpretá-la. Mas, sem dúvidas, uma de suas interpretações é sim sobre a ditadura.
A canção tem inúmeros trechos que trazem a ideia de liberdade, rebeldia e sofrimento – todos sentimentos muito presentes da oposição e resistência ao governo ditatorial do Brasil na época.
Confira a análise completa da música Alegria, Alegria
Sim, Chico Buarque era incrivelmente engajado no seu contexto político. Apesar de Você também foi uma canção de protesto escrita pelo autor. Após seu auto-exílio na Itália, Chico voltou ao Brasil sob promessas de que o país estava melhor. Mas não foi isso que encontrou.
O cantor, então, percebendo que o contexto nacional ainda vivia sob a sombra de desaparecimento, tortura e falta de expressão, escreveu a música, que faz uma analogia da repressão e da tristeza sobre a falta de liberdade da ditadura militar à briga de um casal de namorados.
Chico ficou surpreso quando Apesar de Você foi liberada pelo departamento de censura. Porém, quando as vendas do compacto contendo a música atingiu 100 mil cópias, um jornalista insinuou que a música seria para o atual presidente Médici.
Após a declaração, a gravadora foi invadida, cópias foram destruídas e Chico levado a interrogatório. Lá, Chico afirmou que música era sobre uma mulher muito autoritária. A canção só foi regravada e lançada oficialmente em 1978, 8 anos depois.
Entenda o significado completo de Apesar de Você
O Bêbado e a Equilibrista é, para muitos, o hino do período de anistia e do início do declínio da ditadura militar. Composta por João Bosco e Aldir Blanc, foi na voz inconfundível de Elis Regina que ela ficou conhecida.
O que começou como uma homenagem à Chaplin, guardava versos tristes e que remetem aos duros tempos de ditadura. Como nos trechos onde Choram Marias e Clarisses que faz menção a Maria, filha de Maniel Fiel Filho, e Clarisse Herzog, esposa de Vladimir Herzog. Os dois morreram nos porões do DOI-CODI em sessões de tortura por fazerem parte da frete de oposição ao governo.
A ditadura militar foi uma época muito triste e dura da nossa história, mas foi muito frutífera na arte. É um momento extremamente delicado que só obras de artes como as músicas acima poderiam transmitir com tanta poesia, mas com o peso do protesto contra as atrocidades que aconteciam.
Entenda a história da música O Bêbado e a Equilibrista
Agora, as músicas de protesto internacionais:
Essa é recente e deu o que falar. This Is America também conta com um diferencial que as canções de protesto brasileiras não tiveram para ajudar na crítica: clipe!
Diferente das anteriores, essa canção não tem ligação com um contexto histórico específico, mas sim com toda a estrutura social dos Estados Unidos. Para muitos, a música virou o hino antirracista do século!
São inúmeras críticas na letra: sobre a imagem pejorativa que as pessoas têm da juventude negra, sobre o sistema racista enraizado na cultura americana e sobre a violência que a sociedade negra sofre desde sempre.
Já o clipe conta com detalhes que constroem uma crítica visualmente bonita, pesada e inteligente: a presença de expressões que lembram um personagem clássico da cultura americana chamado Uncle Ruckus que sempre desprezou a cultura negra.
Trejeitos que lembram Jim Crow, personagem de Thomas D. Rice de 1832, que sempre representou o negro de forma absurdamente pejorativa. Também tem cenas que trazem a mente o massacre de Charleston e o assassinato do jovem Stephon Clark.
O protesto central da música é mostrar nos detalhes como a sociedade americana ainda é racista e, mesmo sendo produto de muitas influências negras, ignoram completamente o clamor por igualdade e perpetuam a discriminação social em todas as camadas.
This Is America: uma análise do hit de Childish Gambino
A banda irlandesa U2 nunca escondeu seus posicionamentos políticos e isso fica bem claro em Sunday Bloody Sunday.
A letra apresenta a perspectiva de alguém assistindo o conflito na Irlanda do Norte, onde uma maioria protestante era a favor de manter o vínculo à Grã-Bretanha e a minoria católica era a favor da independência ou integração à Irlanda do Sul.
O Domingo Sangrento, que aconteceu na cidade de Derry e é tratado pela música, foi o nome dado ao dia que tropas britânicas invadiram e atiraram em 40 ativistas, matando 14 ativistas católicos.
Trechos da música deixam explícito como o conflito foi extremo e desnecessariamente violento.
Sunday Bloody Sunday: a história por trás do clássico do U2
The Unknown Soldier é uma canção de protesto contra a guerra do Vietnã, focando em como o conflito chegava às casas americanas. A Guerra do Vietnã foi a primeira a ser televisionada e para muitos foi como se a guerra estivesse na própria sala de estar.
Em alguns trechos, a banda associa cenas fortes e complicadas de uma guerra, como uma bala atravessando o capacete de um soldado passando na TV no café da manhã.
A letra traz esse grande sentimento de impotência que o cidadão americano sentia sendo um telespectador diário da guerra, o que, na época, aumentou a impopularidade da guerra do Vietnã.
Ohio é tida como um hino da contracultura americana, movimento social que explodiu nos anos 60 influenciado por todas as insatisfações culturais desse período.
A letra descreve o ataque na universidade Kent State, em Ohio. Havia uma manifestação pela paz, em oposição a expansão da guerra do Vietnã por parte dos Estados Unidos e contra a ocupação claramente política da guarda nacional no campus da universidade.
Ao todo, 28 soldados dispararam vários tiros contra os estudantes desarmados – o que resultou em 4 mortes e 9 gravemente feridos.
Isso só contribuiu para a inflamação maior da opinião pública contra os posicionamentos do governo, pois eles viveriam a maior greve estudantil da história dos estados unidos.
A letra é extremamente corajosa, uma vez que liga diretamente Nixon, o presidente da época, com o ocorrido.
Respect tem duas versões oficiais e lançadas: por Otis Redding e por Aretha Franklin, mas foi na voz da rainha do soul que a canção ficou mais famosa, tornando sua marca.
A canção se tornou um hino para o movimento de direitos civis e para o movimento feminista da época: uma mulher negra, nos anos 60 (em um contexto de luta por direitos civis para negros), cantando Respeito foi algo, realmente, revolucionário.
Embora a ideia inicial era que Respect fosse uma música pessoal, o poder que emanou de Aretha em sua perfomance fez com que a música fosse consagrada pelos movimentos black power, feminista e ativistas em todo mundo.
Até hoje a música é vinculada a movimentos de protesto. Em 2018, algumas mulheres a associaram ao movimento #MeToo, contra assédio e agressão sexual.
Embora tenha sido um período muito crítico e triste da nossa história, os nossos artistas extremamente talentosos conseguiram transformar tristeza em poesia para protestar contra atitudes antidemocráticas.
Vem com a gente saber mais sobre a música durante a ditadura militar no Brasil.
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