Entenda o significado da música Drão, de Gilberto Gil

Analisando letras · Por Dora Guerra

21 de Julho de 2025, às 10:00


Lançada em 1982, Drão é uma das canções mais conhecidas de Gilberto Gil. A música foi composta para sua terceira esposa, Sandra Gadelha, que recebeu carinhosamente o apelido Drão, dado por Maria Bethânia. 

Gilberto Gil e Sangra Gadelha
Gilberto Gil e Sangra Gadelha / Créditos: Divulgação

Apesar de ganhar versões lindas de Caetano e Djavan, a música é especialmente emocionante na voz de Gilberto e Preta Gil, filha do casal. Por isso, achamos que vale a pena contar um pouco do significado de Drão, para além da história do casal. Vem ver:

A letra de Drão

Como mencionamos, Drão é uma canção feita para a terceira esposa de Gilberto, Sandra Gadelha, e foi escrita em um período de separação. Dá pra sentir a dor desse processo nos versos da música. 

Sobre a canção, Gil conta no livro Todas As Letras (Cia das Letras, 2000):

Sua criação apresentou altos graus de dificuldades porque ela lidava com um assunto denso – o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra e para mim. “Como é que eu vou passar tantas coisas numa canção só?”, eu me perguntava.

Será que ele conseguiu passar tudo isso em uma música? Bom, vem ver:

Análise verso a verso de Drão

Drão!

O amor da gente é como um grão

Uma semente de ilusão

Aqui, começa a metáfora que Gil desenvolve na primeira estrofe: o amor é uma semente que começa pequena e germina. Além da rima com o apelido da mulher, Gil começa a desenhar a imagem que nos vem à cabeça com a letra.

Tem que morrer pra germinar

Plantar nalgum lugar

Ressuscitar no chão

Nossa semeadura

O primeiro verso desse trecho é muito forte, né? Uma semente precisa morrer (ser enterrada) para germinar. Dessa forma, Gil estabelece um paralelo com a sua própria relação com Drão. 

É interessante lembrar que a ideia de plantar lembra, ainda, a noção de família: criar raízes, deixar frutos, montar sua árvore genealógica. Com sua esposa, Gilberto teve três filhos, como explicaremos um pouco mais a frente. Ou seja, plantou e deixou sua semeadura. Talvez o amor dos dois não resista a isso enquanto casal; tenha que morrer para que a família germine. 

Quem poderá fazer aquele amor morrer

Nossa caminhadura

Dura caminhada

Pela noite escura

A separação dói, é uma dura caminhada pela noite escura. São versos sofridos, né? O negócio fica ainda mais doloroso na estrofe seguinte:

Drão!

Não pense na separação

Não despedace o coração

Nesse trecho, o músico tenta consolar sua então-mulher. Quando sentimos muito carinho por uma pessoa, mesmo que os caminhos se separem, não queremos vê-la sofrer. Nisso, ele pede: não pense na separação/ não despedace o coração.

O verdadeiro amor é vão

Estende-se infinito

Imenso monólito

Nossa arquitetura

Apesar de se separarem, o verdadeiro amor dos dois se estende, infinito. Para essa comparação, Gil usa o monólito, que é uma estrutura constituída por uma única, grande e maciça pedra. Assim, o compositor reafirma a força e a união dos dois, mesmo em fase de término.

Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro
Pedra da Gávea, exemplo de monólito / Créditos: Divulgação

Quem poderá fazer aquele amor morrer

Nossa caminhadura

Cama de tatame

Pela vida afora

Aqui repara-se um jogo de palavras que o artista faz ao longo da música: a caminhadura (neologismo criado por Gil) é, a princípio, o ato de caminhar; a dura caminhada. Agora, caminhadura está relacionado a cama dura, como uma cama de tatame. 

Sandra era companheira de Gil pela vida afora, especialmente durante seu exílio em Londres durante a ditadura. Já a cama de tatame é literal: segundo Sandra, dormiam sempre em um tatame no início do casamento.

Mesmo que tenham passado por momentos muito difíceis, essas situações tornaram o amor dos dois ainda mais forte e infinito.

Drão!

Os meninos são todos sãos

Os pecados são todos meus

Nesse ponto, o compositor lembra que seus filhos estão bem e qualquer culpa é, na verdade, dele mesmo. E continua:

Deus sabe a minha confissão

Não há o que perdoar

Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão

Apesar de assumir a culpa, Gil afirma que não há o que perdoar; se Deus é quem sabe das confissões e dos pecados, cabe aos dois ter apenas compaixão um pelo outro. 

É bonito como, ao longo da letra, o músico se preocupa em fazê-la se sentir melhor e não sofrer, lembrando da potência de seu amor. Se construíram família, podem manter a compaixão viva mesmo se não estiverem mais juntos. Por isso, voltando à metáfora inicial, Gil encerra:

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Se o amor é como um grão

Morre, nasce trigo

Vive, morre pão

Drão!

Drão!

Não há quem faça o amor morrer, pois ele seguirá germinando, ressuscitando e renascendo, seja como árvore, trigo ou pão. Um jeito lindo de encarar um fim traumático, né?

A história de Gil e Drão

Gilberto Gil e Sandra Gadelha começaram o namoro em 1968, em pleno movimento Tropicalista. Em dezembro, Gil e Caetano foram presos devido ao AI-5, quando a ditadura militar atingiu seu ápice. 

Pouco tempo depois, Gilberto se casou com Drão e eles fugiram em exílio para Londres. Com Sandra, teve três filhos: Pedro, Preta e Maria Gil. Em 1979, o casal começou o seu processo de separação.

Preta, Pedro e Maria, filhos de Gilberto Gil com Sandra Gadelha
Preta, Pedro e Maria, filhos de Gilberto Gil com Sandra Gadelha / Créditos: Divulgação

Durante o tempo que passaram juntos, Gil compôs também a canção Sandra para sua mulher. Em contraste a Drão, a música é mais positiva, de quando o romance começava:

Amarradão na torre dá pra ir pro mundo inteiro

E onde quer que eu vá no mundo, vejo a minha torre

É só balançar

Que a corda me leva de volta pra ela:

Oh, Sandra

As duas homenagens são lindas, mas marcantes de formas diferentes, como a própria Sandra disse numa reportagem para a revista Marie Claire:

Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música “Sandra”. Já “Drão” marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois.

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