9 de Fevereiro de 2024, às 08:00
O samba-enredo da Portela 2024, Um Defeito de Cor , foi aguardado ansiosamente pelos fãs de Carnaval. Isso porque a escola é conhecida por sempre entregar uma história coesa, visualmente bonita e com uma musicalidade própria.
A Portela nasceu em 1923, em uma zona rural e com outro nome: Baianinhas de Oswaldo Cruz, batizada pelos amigos Paulo Benjamin de Oliveira, Antônio Rufino e Antônio Caetano.
Ao longo dos anos, a equipe mudou, mas manteve o afeto e a dedicação como base das criações, fazendo com que a Portela se tornasse a escola com mais conquistas na história do Carnaval do Rio de Janeiro.
Com 22 vitórias nos desfiles do estado, sete delas consecutivas, o samba-enredo deve manter o sucesso. Entenda o significado da composição!
O próprio título do samba-enredo da Portela já revela um caminho para o significado da composição. Isso porque há uma referência direta ao livro de Ana Maria Gonçalves, intitulado Um Direito de Cor.
Na obra, conhecemos a jornada de uma mulher negra, mãe e idosa, que sai da África para o Brasil em busca do seu filho perdido há anos. Nesse processo, relembramos a sua vida e as violências pelas quais ela passou.
A história foi escolhida pela Portela por ter relação direta com a ideia de afeto e o sagrado feminino, temáticas abordadas no samba-enredo de 2024. É uma homenagem da própria equipe pelo carinho recebido dentro da Portela.
Percebemos a temática proposta em Um Defeito de Cor logo no início da composição:
O samba genuinamente preto
Fina flor, jardim do gueto
Que exala o nosso afeto
Me embala, oh! Mãe, no colo da saudade
Pra fazer da identidade nosso livro aberto
A Portela deixa explícita a relação do samba-enredo com a ancestralidade: o samba negro, que transformou dor em alegria, aparece em destaque logo no primeiro verso da composição.
Além disso, a menção ao livro também remete à obra Um Defeito de Cor, na qual a produção foi inspirada.
Omoduntê, vim do ventre do amor
Omoduntê, pois assim me batizou
Alma de Gege e a justiça de Xangô
O teu exemplo me faz vencedor
Sagrado feminino ensinamento
Feito águia corta o tempo
Te encontro ao ver o mar
Inspiração a flor da pele preta
Tua voz, tinta e caneta
No azul que reina Yemanjá
O termo “omoduntê”, citado no samba-enredo, remete a uma expressão de origem africana, que pode ser traduzida como “a criança chegou”, lembrando novamente a questão da fertilidade e do ventre feminino.
Ainda no mesmo trecho, vemos diversas referências à cultura negra, como a menção aos orixás Xangô, da justiça, e Yemanjá, dos mares.
A composição retrata o respeito dos mais novos pelas mães pretas, reconhecendo o exemplo que elas trazem e valorizando os seus ensinamentos.
Salve a Lua de Bennin
Viva o povo de Benguela
Essa luz que brilha em mim
E habita a Portela
Tal a história de Mahin
Liberdade se rebela
Nasci quilombo e cresci favela!
Ao citar Bennin e Benguela, a escola de samba faz referência à diversidade da povo negro ao citar os povos sudaneses e bantos. É uma forma de retratar também a variedade que habita o corpo da Portela, família formada por pessoas de todos os lugares, mas conectadas por algo maior que cada uma.
A estrofe também menciona o nome Mahin rapidamente, mas que tem grande representatividade. Trata-se de Luiza Mahin, considerada uma das maiores mulheres negras da história do Brasil.
Ela transformou sua casa em um centro de encontro para que pessoas negras se unissem e lutassem contra o sistema escravocrata, tornando-se, ela mesma, uma grande guerreira da causa.
Mahin também é a mãe de Luiz Gama, poeta e abolicionista, que revolucionou o movimento literário brasileiro. Infelizmente, seu nome só recebeu o devido reconhecimento muito tarde, assim como aconteceu com sua mãe.
Orayeye oxum, Kalunga!
É mão que acolhe outra mão, macumba!
Teu rosto vestindo o adê
No meu alguidar tem dendê
O sangue que corre na veia é Malê!
Em cada prece, em cada sonho, nêga
Eu te sinto, nêga
Seja onde for
Em cada canto, em cada sonho, nêgo
Eu te cuido, nêgo, cá de onde estou
Mostrando que conexão vai além do toque físico, o samba-enredo da Portela retrata a prece e o sonho como formas de carregar uns aos outros consigo. São conceitos que fazem parte da cosmogonia africana, crenças e práticas ancestrais.
O último verso, Eu te cuido, nêgo, cá de onde estou, pode ser visto como uma mãe falando sobre o seu filho.
Luiza Mahin, que viu Luiz Gama ser vendido aos 10 anos como escravizado; a protagonista de Um Defeito de Cor, já idosa, que busca pelo filho que foi levado, assim como tantas mães pretas que continuaram acalentando suas crianças, mesmo sem saber onde elas estavam.
Saravá Kehinde! Teu nome vive!
Teu povo é livre! Teu filho venceu, mulher!
Em cada um de nós, derrame seu axé!
Encerrando o samba-enredo de forma linda, a composição fala diretamente com as mulheres negras.
No primeiro verso, uma homenagem: a história não foi esquecida! Elas, que tanto fizeram e fazem pela nossa sociedade, continuam vivas na mente daqueles que receberam seu afeto.
No segundo, uma mensagem de alívio: a mãe não se preocupa apenas com o seu próprio bem-estar. Saber que o seu filho está vivo e vencendo traz um sorriso à toda a família.
No terceiro e último verso, um pedido: que as mulheres negras continuem nos olhando e cuidando dos nossos caminhos. A força e o carinho que só elas são capazes de compartilhar.
Nem só de samba-enredo vive o folião! Para entrar no clima, vale a pena ouvir a evolução das músicas de Carnaval, das clássicas até os hits contemporâneos. Já tem a sua aposta para 2024?
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