Samba-enredo Salgueiro 2024: homenagem ao povo Yanomami

Entenda o samba-enredo da Salgueiro para 2024, que fala sobre a luta do povo Yanomami!

Analisando letras · Por Rafaela Damasceno

26 de Janeiro de 2024, às 12:30


O Carnaval está chegando e, com ele, um show de arte e criatividade com os temas das escolas de samba. Por falar nisso, o samba-enredo da Salgueiro de 2024, Hutukara, traz uma mensagem forte sobre a luta do povo Yanomami.

Hutukara, samba-enredo da Mocidade para 2024
Créditos: Divulgação

Os povos originários da Amazônia foram a fonte de inspiração para a composição da letra. Nos versos, a importância dos indígenas para a história brasileira e a necessidade urgente de sua proteção são ressaltadas

Aproveite para conferir nossa análise completa do samba-enredo da Salgueiro 2024 e acompanhar de perto o tema da escola de samba carioca. 

Hutukara: análise da poderosa mensagem do samba-enredo da Salgueiro 2024

O Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, ou simplesmente Salgueiro, fará uma emocionante homenagem a um dos povos mais tradicionais da Amazônia brasileira em 2024. Os Yanomamis serão os protagonistas da canção Hutukara

A ideia desse tema foi do carnavalesco Edson Pereira. A composição do samba-enredo é de Pedrinho Da Flor, Marcelo Motta, Arlindinho Cruz, Renato Galante, Dudu Nobre, Leonardo Gallo, Ramon Via 13 e Ralfe Ribeiro. 

Confira a seguir todos os detalhes sobre o enredo da Salgueiro para o Carnaval 2024. 

Qual o enredo do Salgueiro 2024?

De forma geral, a letra de Hutukara aborda a luta e a resistência do povo Yanomami, com destaque para a importância de sua preservação. Além disso, a relação entre os indígenas e a sociedade contemporânea também aparece nos versos do samba. 

Segundo Edson Pereira, ao pesquisar sobre possíveis temáticas para 2024, ele se deparou com o livro A Queda do Céu, do xamã e líder político yanomami Davi Kopenawa. Inspirado pelo conteúdo, ele percebeu que essa é uma questão que merece ser discutida. 

Nas palavras de Edson, antes do Brasil ser império, antes de existir a coroa, já existia o cocar. Por isso, é fundamental que todos os brasileiros se conscientizem sobre a valorização dos nossos povos originários.

Apesar de o foco do samba-enredo da Salgueiro de 2024 ser o povo yanomami, a letra pode ser adaptada também para outras etnias indígenas. 

Análise da letra do samba-enredo da Salgueiro 2024

O título do samba-enredo da Salgueiro em 2024 é Hutukara, que pode ser traduzida como terra-floresta e indica o chão sagrado de Omama. Esta é uma figura fundamental na mitologia Yanomami, que representa a criação do mundo. 

Além do título, outras palavras e expressões das 6 línguas dos yanomami aparecem na letra. 

Eu ainda estou vivo

Ya temí xoa, aê-êa

Ya temí xoa, aê-êa

Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta

Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar

Na primeira estrofe, um verso é cantado duas vezes: Ya temí xoa, aê-êa é. Ele significa eu ainda estou vivo, na língua Yanomae. Assim, logo no início, já conseguimos perceber que o foco dos salgueirenses é ressaltar a vida do povo Yanomami

Essa luta também é reforçada pela expressão Brasil cocar, que indica a valorização do cocar em detrimento da coroa portuguesa.

A criação do mundo

É Hutukara, o chão de Omama

O breu e a chama, deus da criação

Xamã no transe de Yãkoana

Evoca Xapiri, a missão

Hutukara ê, sonho e insônia

Grita a Amazônia antes que desabe

Caço de tacape, danço o ritual

Tenho o sangue que semeia a nação original

O chão de Omama aparece no samba-enredo, ressaltando o poder do deus da criação. Outra figura essencial para a crença yanomami é a do xamã, que faz a ligação entre o mundo visível e o invisível. Ele atua como um escudo, que protege o povo dos poderes maléficos humanos e não-humanos. 

Neste trecho, o xamã é retratado em transe de Yãkoana, uma substância alucinógena, encontrada nas raspas de uma árvore da Amazônia e muito usada em rituais xamânicos. 

Os Xapiris são os espíritos de luz, que defendem a floresta. Eles só são vistos pelos xamãs no ritual de Yãkoana. Por isso, o xamã os evoca, para a proteção do povo Yanomami e de sua casa

A arma usada pelos xamãs é o tacape, que também aparece nesta estrofe. É um instrumento construído com um pedaço de madeira. 

Eu aprendi o português, a língua do opressor

Pra te provar que meu penar também é sua dor

Falar de amor enquanto a mata chora

É luta sem flecha, da boca pra fora

Falar de amor enquanto a mata chora

É luta sem flecha, da boca pra fora

Uma das formas de opressão mais comuns da colonização é a imposição da língua do colonizador. Foi exatamente isso que aconteceu com os povos originários brasileiros. Quando chegaram aqui, o português foi imposto aos indígenas.

Por isso, este é um trecho de Hutukara em que os compositores preferiram escrever em português, para ficar bem claro para o opressor que a mata chora quando é explorada. 

O mal que se julga família de bem

Tirania na bateia, militando por quinhão

E teu povo na plateia vendo a própria extinção

Yoasi que se julga família de bem

Ouça agora a verdade que não lhe convém

Yoasi que se julga família de bem

Ouça agora a verdade que não lhe convém

A bateia é um instrumento usado para a procura de ouro e outras pedras preciosas. Uma referência à mineração, que prejudica não só a fauna e a flora da Amazônia, como também a qualidade de vida dos povos que vivem lá.

Aqui, aparece outra figura da mitologia Yanomami, o Yoasi. Ele é o irmão de Omama, responsável pela criação da morte e escuridão. Ou seja, o deus que se julga família de bem na realidade é um ser maléfico. Muito parecido com o que acontece na realidade da exploração da floresta, né?

Você diz lembrar do povo Yanomami

Em 19 de abril

Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome

Quando o medo me partiu

Você quer me ouvir cantar em Yanomami

Pra postar no seu perfil

Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito

Nem a pau, Brasil

Em 19 de abril é comemorado o Dia dos Povos Indígenas. Porém, não há nada para celebrar nessa data, porque esses grupos não são valorizados no Brasil

Homenagem a Bruno e Dom

Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom

Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom

Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso

Não queremos sua ordem, nem o seu progresso

Nesta estrofe, duas personalidades são homenageadas no samba-enredo da Salgueiro 2024: o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. Eles foram assassinados no Vale do Javari, na floresta Amazônica. 

Kopenawa é o sobrenome oficial da liderança Yanomami, por isso ele aparece na letra. São eles que lutam pela terra, em uma guerra que não pode e nem deve acabar. 

Mensagem de luta e esperança

Napê, nossa luta é sobreviver

Napê, não vamos nos render

Mais um trecho muito marcante em Hutukara. Napê é o termo que indica todos os forasteiros, como o homem branco e os garimpeiros

Essa é uma mensagem direcionada a essas pessoas que não são originárias da Amazônia, mas que a invadem, exploram e abusam de suas riquezas e de seus protetores.

Nesse sentido, apesar de ser um samba-enredo que revela os horrores vividos pelos povos originários, em especial os Yanomamis, ele traz também uma mensagem de esperança, para que a luta dos indígenas nunca acabe. 

As melhores frases de samba para se inspirar e compartilhar nas redes

O samba é um gênero musical que, além de trazer críticas, também alegra nosso dia e consegue levantar o astral de qualquer pessoa. 

Por isso, depois de conferir nossa análise da letra do samba-enredo do Salgueiro 2024, descubra quais são as melhores frases de samba para animar sua rotina. 

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