Saiba qual o significado da música Disparada, de Geraldo Vandré

Uma das mais marcantes músicas do período da ditadura, Disparada foi escrita por Geraldo Vandré e Théo de Barros e apresentada pela primeira vez em 1966, no Festival de Música Popular Brasileira, com interpretação de Jair Rodrigues.

Acompanhado pelo Trio Maraiá e pelo Trio Novo, Jair Rodrigues encantou a todos com a canção que fala sobre a exploração das classes sociais mais pobres pelas mais ricas. A música acabou dividindo o primeiro lugar com A Banda, de Chico Buarque.

Para relembrar a importância da composição, preparamos este post explicando o significado da música Disparada. Vem ver!

O significado da música Disparada

Uma música que focaliza o sertão brasileiro, Disparada ficou conhecida por falar sobre questões relativas à condição das classes mais pobres do Brasil, que são comparadas ao gado na letra da canção. 

Segundo o pesquisador Zuza Homem de Mello, a música era uma moda de viola que pintava a vida de um boiadeiro que era rei, de forma nunca antes vista no cancioneiro brasileiro.

Composta durante os primeiros anos da ditadura militar, a letra denunciava o tratamento a que eram relegadas as pessoas do sertão, que na época sofriam com a seca e a fome:

Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar

Como estes eram assuntos que a sociedade tradicional brasileira não gostava de tratar, a canção já começa avisando que irá revelar coisas do sertão que poderiam não agradar. Mas a quem esse tema não agradaria? 

Provavelmente àqueles que acreditavam nas versões oficiais das propagandas nacionalistas da época, que falavam em avanço econômico e tentavam mostrar o regime militar como algo positivo.

A letra de Vandré lembra que isso não era bem assim. Fazendo uma metáfora com a exploração da boiada pelos boiadeiros, o compositor denuncia que as pessoas estavam sendo tratadas da mesma maneira.

Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto pra enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar

Outro tema abordado na canção é a migração de pessoas do campo para as cidades. Ao dizer que boiadeiro era um rei, mostra que o personagem da letra conseguiu ser muito respeitado, mas isso agora parece ter ficado no passado.

É possível fazer um paralelo com os jovens das elites rurais que partiam para as grandes cidades para estudar e sentiram o choque cultural de vivenciar a realidade urbana. 

Referência ao presidente João Goulart?

Segundo o cientista social Roniel Sampaio Silva, Disparada pode ser interpretada como uma canção que falaria de João Goulart, popularmente conhecido como Jango, que foi presidente do Brasil entre 1961 e 1964.

Isso porque Jango herdou as propriedades rurais do seu pai, o que o tornou um homem bastante influente na região. Com a sua entrada na vida política, ele teria planos para o país que foram frustrados pelo golpe militar. O trecho abaixo ilustraria esse contexto:

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei

No entanto, o autor admite que esta é uma das muitas interpretações possíveis para a canção, que nunca chegou a ser destrinchada por seus compositores.

O que é consensual é que a canção fala sobre o despertar da consciência de um boiadeiro, o que também poderia representar o despertar da consciência da classe trabalhadora em geral.

O sucesso da música Disparada

Como falamos anteriormente, Disparada foi composta por Geraldo Vandré e Théo de Barros no início dos anos 60 e apresentada ao público no II Festival de Música Brasileira da TV Record.

Com uma letra longa, que contrariava a crença estabelecida de que canções populares deveriam ser curtas, a música caiu nas graças do público, que ficou estarrecido com a apresentação feita por Jair Rodrigues.

Geraldo Vandré temia a apresentação de Jair Rodrigues

O que muita gente não sabe é que Geraldo Vandré tinha receio de que sua música fosse interpretada pelo sambista, conhecido por sua irreverência. Conta-se que o compositor teria dito a Jair: cuidado com a minha música, que é coisa séria. Não vai fazer aquelas maluquices que você faz cantando samba.

Ofendido, o cantor teria xingado Vandré, que logo se desculpou. E Jair Rodrigues levou tão a sério que fez uma das melhores apresentações da sua vida. Segundo Zuza Homem de Mello, que na época trabalhava como técnico de som do Festival:

A plateia se surpreendeu quando Jair Rodrigues entrou para cantar, sua postura estava totalmente diferente do que era conhecido. O público manteve-se em silêncio até o final. Quando acabou, o público rompeu em aplausos e gritos de “já ganhou”.

Confira um trecho do Festival e vibre com a plateia com a apresentação final de Jair Rodrigues:

Jair Rodrigues, por sua vez, deu uma entrevista dias depois da apresentação, explicando por que era a pessoa certa para defender a música:

Meu pai morreu no lombo de um burro. Ele era boiadeiro, o velho Severiano Rodrigues de Oliveira. Acho que o ‘Disparada’ tem muita coisa a ver com ele.

Empate no Festival 

Apesar do sucesso de público, outra canção também se tornaria favorita: A Banda, de Chico Buarque. No entanto, Chico não aceitaria uma vitória. Ao ouvir um burburinho de que sua canção seria a vencedora, ele foi até o diretor da TV Record e disse que, caso vencesse, devolveria o prêmio na frente do público.

Confira a análise da música A Banda, sucesso de Chico Buarque

Desesperado, o diretor da Record foi até os jurados e pediu para que decidissem por um empate. Isso porque o boato era verdade: A Banda havia ganhado o festival. Após uma discussão, os jurados cederam e Disparada acabou dividindo o prêmio com a canção de Chico.

Outras versões de Disparada

Além da versão original cantada por Jair Rodrigues, Disparada também foi gravada por outros artistas e ganhou até versões em francês (Taureau) e espanhol. Confira algumas:

O Grande Encontro II

Escute essa versão de Disparada interpretada pelo trio de vozes de Elba Ramalho, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo:

Wilson Simonal

Outro cantor que também deu voz à canção foi Wilson Simonal, acompanhado por um piano.

Frida Boccara

Com uma versão internacional, Taureau é a tradução de Disparada para o francês, cantada por Frida Boccara.

Conjunto Ponta Porã

Para fechar com chave de ouro, temos também a versão interpretada pelo Conjunto Ponta Porã, gravada em espanhol.

Músicas políticas

Agora que você conheceu o significado da música Disparada, aproveita para conhecer também 12 canções nacionais e internacionais sobre política.

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