exibições de letras 68

Bochincho

Cenair Maicá

Letra

    A um bochincho certa feita
    Fui chegando de curioso
    Que o vicio é que nem sarnoso
    Nunca para nem se ajeita
    Baile de gente direita
    Vi, de pronto, que não era
    Na noite de primavera
    Gaguejava a voz dum tango
    E eu sou louco por fandango
    Que nem pinto por quireral

    Atei meu zaino longito
    Num galho de guamirim
    Desde guri fui assim
    Não brinco nem facilito
    Em bruxas não acredito
    Pero que las, las hay
    Sou da costa do uruguai
    Meu velho pago querido
    E por andar desprevenido
    Há tanto guri sem pai

    No rancho de santa-fé
    De pau-a-pique barreado
    Num trancão de convidado
    Me entreverei no banzé
    Chinaredo à bola-pé
    No ambiente fumacento
    Um candieiro, bem no centro
    Num lusco-fusco de aurora
    Pra quem chegava de fora
    Pouco enxergava ali dentro!

    Dei de mão numa tiangaça
    Que me cruzou no costado
    E já sai entreverado
    Entre a poeira e a fumaça
    Oigalé China lindaça
    Morena de toda a crina
    Dessas da venta brasina
    Com cheiro de lechiguana
    Que quando ergue uma pestana
    Até a noite se ilumina

    Misto de diaba e de santa
    Com ares de quem é dona
    E um gosto de temporona
    Que traz água na garganta
    Eu me grudei na percanta
    O mesmo que um carrapato
    E o gaiteiro era um mulato
    Que até dormindo tocava
    E a gaita choramingava
    Como namoro de gato!

    A gaita velha gemia
    Ás vezes quase parava
    De repente se acordava
    E num vanerão se perdia
    E eu contra a pele macia
    Daquele corpo moreno
    Sentia o mundo pequeno
    Bombeando cheio de enlevo
    Dois olhos flores de trevo
    Com respingos de sereno!

    Mas o que é bom se termina
    Cumpriu-se o velho ditado
    Eu que dançava, embalado
    Nos braços doces da China
    Escutei de relancina
    Uma espécie de relincho
    Era o dono do bochincho
    Meio oitavado num canto
    Que me olhava com espanto
    Mais sério do que um capincho!

    E foi ele que se veio
    Pois era dele a pinguancha
    Bufando e abrindo cancha
    Como dono de rodeio
    Quis me partir pelo meio
    Num talonaço de adaga
    Que se me pega me estraga
    Chegou levantar um cisco
    Mas não é a toa chomisco!
    Que sou de são luiz lonzaga!

    Meio na volta do braço
    Consegui tirar o talho
    E quase que me atrapalho
    Porque havia pouco espaço
    Mas senti o calor do aço
    E o calor do aço arde
    Me levantei sem alarde
    Por causa do desaforo
    E soltei meu marca touro
    Num medonho buenas tarde!

    Tenho visto coisa feia
    Tenho visto judiaria
    Mas ainda hoje me arrepia
    Lembrar aquela peleia
    Talvez quem ouça não creia
    Mas vi brotar no pescoço
    Do índio do berro grosso
    Como uma cinta vermelha
    E desde o beiço até a orelha
    Ficou relampeando o osso!

    O índio era um índio touro
    Mas até touro se ajoelha
    Cortado do beiço a orelha
    Amontoou-se como um couro
    E aquilo foi um estouro
    Daqueles que dava medo
    Espantou-se o chinaredo
    E amigos foi uma zoada
    Parecia até uma eguada
    Disparando num varzedo!

    Não há quem pinte o retrato
    Dum bochincho quando estoura
    Tinidos de adaga espora
    E gritos de desacato
    Berros de quarenta e quatro
    De cada canto da sala
    E a velha gaita baguala
    Num vanerão pacholento
    Fazendo acompanhamento
    Do turumbamba de bala!

    É China que se escabela
    Redemoinhando na porta
    E xiru da guampa torta
    Que vem direito à janela
    Gritando de toda goela
    Num berreiro alucinante
    Índio que não se garante
    Vendo sangue se apavora
    E se manda campo fora
    Levando tudo por diante!

    Sou crente na divindade
    Morro quando Deus quiser
    Mas amigos se eu disser
    Até periga a verdade
    Naquela barbaridade
    De chinaredo fugindo
    De grito e bala zunindo
    O gaiteiro alheio a tudo
    Tocava um xote clinudo
    Já quase meio dormindo!

    E a coisa ia indo assim
    Balanceei a situação
    Já quase sem munição
    Todos atirando em mim
    Qual ia ser o meu fim
    Me dei conta de repente
    Não vou ficar pra semente
    Mas gosto de andar no mundo
    Me esperavam na do fundo
    Saí na porta da frente

    E dali ganhei o mato
    Abaixo de tiroteio
    E inda escutava o floreio
    Da cordeona do mulato
    E, pra encurtar o relato
    Me bandeei pra o outro lado
    Cruzei o uruguai, a nado
    Que o meu zaino era um capincho
    E a história desse bochincho
    Faz parte do meu passado!

    E a China essa pergunta me é feita
    A cada vez que declamo
    É uma coisa que reclamo
    Porque não acho direita
    Considero uma desfeita
    Que compreender não consigo
    Eu, no medonho perigo
    Duma situação brasina
    Todos perguntam da China
    E ninguém se importa comigo!

    E a China, eu nunca mais vi
    No meu gauderiar andejo
    Somente em sonhos a vejo
    Em bárbaro frenesi
    Talvez ande por aí
    No rodeio das alçadas
    Ou talvez nas madrugadas
    Seja uma estrela Xirua
    Dessas que se banha nua
    No espelho das aguadas!


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