Sob Pressão
Chico Buarque
Falta de ar nos gemidos dos ais
A febre, seus fantasmas, seus terrores
Sem pressa, passo a passo, mais e mais
A besta avança pelos corredores
O médico caminha com cautela
Estuda as artimanhas do inimigo
A enfermeira brava vence o medo
Pouco lhe importa a extensão do perigo
O mundo está azaranza, ao Deus dará
O povo não se entrega é cabra-cega
É lá e cá sem lei, sem mais aviso
Só sei que é preciso acreditar
Fazemos todos parte desta história
Mesmo que os tontos blefem com a morte
Num jogo de verdades e mentiras
Um jogo duplo de azar e sorte
A ciência abre as suas asas
A esperança à frente como um guia
Com São João na reza, a pajelança
A intervenção de Xangô na magia
Neste canto aqui da poesia
Casa da fantasia e da razão
Abre-se a porta e entra um novo dia
Pela janela adentro um coração
A voz de um barco a bordo da alvorada
O sol da aurora secando o pulmão
Ano passado se eu morri na estrada
Vai que esse ano não morro mais não
É pra montar no lombo da toada
Desembarcar do trem da pandemia
É pra fazer da rima arredondada
O rompante final de uma alegria
Vamos em frente amigo, vamos embora
Vamos tomar aquela talagada
Vamos cantar que a vida e só agora
E se eu cantar amigo a vida é nada
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