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Já O Tempo Se Habitua

José Afonso

Letra

    Já o tempo se habitua
    A estar alerta
    Não há luz Que não resista
    À noite cega
    Já a rosa Perde o cheiro
    E a cor vermelha
    Cai a flor Da laranjeira
    À cova incerta

    Água mole Água bendita
    Fresca serra
    Lava a língua Lava a lama
    Lava a guerra
    Já o tempo Se acostuma
    À cova funda
    Já tem cama E sepultura
    Toda a terra

    Nem o voo Do milhano
    Ao vento leste
    Nem a rota Da gaivota
    Ao vento norte
    Nem toda A força do pano
    Todo o ano
    Quebra a proa Do mais forte
    Nem a morte

    Já o mundo Se não lembra
    De cantigas
    Tanta areia Suja tanta
    Erva daninha
    A nenhuma Porta aberta
    Chega a lua
    Cai a flor Da laranjeira
    À cova incerta

    Nem o voo Do milhano ...

    Entre as vilas E as muralhas
    Da moirama
    Sobre a espiga E sobre a palha
    Que derrama
    Sobre as ondas Sobre a praia
    Já o tempo
    Perde a fala E perde o riso
    Perde o amor


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