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Cantiga Para Pedir Dois Tostões

José Mário Branco

Letra

    Nos carris
    Vão dois comboios parados
    Foste longe e regressaste
    Trazes fatos bem cuidados
    E já pensas
    Em dourar o teu portão
    Se és senhor de dez ou vinte
    És criado de um milhão
    Regressaste
    Com um dedo em cada anel
    E projectos num papel
    E amigos esquecidos
    Tempos idos
    São tempos que voltarão
    Em que pedirás ao chão
    Os banquetes prometidos

    Milionário que voltaste
    Dois tostões p´rós que atraiçoaste

    Fazes pontes
    Sobre rios e valados
    Mas quando o cimento seca
    Já morremos afogados
    Fazes fontes
    No silêncio das aldeias
    E a sede é tal que bebemos
    Até ter água nas veias
    Instituíste
    Guarda-sóis e manda-chuvas
    Lambe-botas, beija-luvas
    Pedras-moles e águas-duras
    Inauguras
    Monumentos ao passado
    Que está morto e enterrado
    Entre naus e armaduras

    Milionário que voltaste
    Dois tostões p´rós que atraiçoaste

    Quanto a nós
    Nós cantores da palidez
    Nosso canto nunca fez
    Filhos sãos a uma mulher
    Nem sequer
    Passa mel nos nossos ramos
    Pois a abelha que cantamos
    Será mosca até morrer

    Milionário que voltaste
    Dois tostões p´rós que atraiçoaste


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