Súbito
Marco Telles
De súbito me assalta um desejo de caminhar
Ainda não sei exatamente para qual direção
Mas já entendo movimento
Vou
Movimento é vida
Sair do lugar
Pra onde exatamente?
Mesmo que ainda não se tenha a resposta
Já se conhece, no entanto, a ação a fazer
Ir
Caminhar é brincar de ser Deus
Ele que se movia por cima das águas
Quando nenhuma estrada ainda havia sido rasgada no chão
O Menino Jesus
O que foi senão um forasteiro?
Levado no meio da noite de Belém pra dentro do Egito
Como se carregasse na sua alma recém-encarnada
Um crime feito pelo qual deveria morrer
Mas ao invés da morte
Ganha a estrada como sentença
O crime quem fez fomos nós
Quem fugia, desde então, da sentença inevitável da morte
Abrindo estradas, construindo torres, embarcações, fugindo, éramos nós
Mas o menino Jesus
Desde seus primeiros momentos
Identificou-se com os que fogem
Com os que andam
Embora sendo majestade em sua pátria
Veio aqui lavar pés, assar peixe na praia, servir vinho e pão
Era o príncipe dos seus
Mas por aqui não
Não passou de um forasteiro, de sotaque carregado
Só se podia entender mesmo o que ele dizia com coração
O amor é o idioma intergaláctico que une forasteiros e nativos
Assim ele andou
Mas andou muito
Passeou por aí
Mil caminhadas, talvez mais
Sabe Deus quantos quilômetros tem de seu trono até a Palestina
Quanta andança foi necessária depois do último suspiro no madeiro
Até o domingo matutino da ressurreição
Segue-me
Viver é caminhar
Mesmo que não se conheça o destino ou a estrada
O caminhante conhece o guia que diz
Segue-me
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