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Pescador

Ná Ozzetti

Letra

    Outrora, ao despertar da aurora
    Quando a manhã aflora de dentro do mar
    Faceiros, partiam os saveiros em salmos rotineiros louvando Iemanjá
    Pediam que ela trouxesse a sorte, e que afastasse a morte
    Que sombreia os temporais
    Rezavam que o peixe bom chegasse
    Enfim, que o dia vingasse para a beira do cais

    Mas o que ninguém sabia era que longe dali existia o perigo de tudo mudar
    Num estranho país, muito além de onde alcança a vista
    Trabalhava dia e noite um cientista sobre um invento espetacular
    Sonhando riqueza e prestígio, que sua obra deixasse vestígio
    Em todos os livros de história universal (vitória, afinal!)

    Prevendo um cofre transbordante derramando-lhe luxo, poderes e amante
    Em pose de capeta debruçava a testa na prancheta e seguia adiante
    O projeto era curioso, era um fio misterioso que brotava da parede
    Astuto como um raposo, o cientista, cuidadoso, com ele teceu uma rede
    Terminado o protótipo, num frenesi apoteótico, o primeiro teste então foi feito

    Atirou-se fauna variada a um tanque de água salgada
    Ligou-se a rede na tomada
    E tudo saiu perfeito!

    A máquina endemoninhada exerceu seu desconcertante efeito
    Seus raios eletromagnéticos, calando grande número de céticos
    Compuseram o quadro patético
    Aqueles feixes paralisavam os peixes
    E o cardume, sem nenhuma escolha
    Formando pitoresca bolha de massa inerte

    É colhido inteiro, aniquilando o viveiro
    Enquanto o cientista se diverte
    No dia, na madrugada fria em que a máquina foi revelada
    Despertou euforia aquele rede abençoada
    Sua voragem motivou comovente homenagem
    Estava salva a humanidade! Não mais haveria uma só cidade

    Que doravante passasse fome
    Ficaria para sempre o nome
    Daquele cientista benfazejo cujo único grande desejo era a perspectiva
    De um mundo melhor
    Depois que as máquinas chegaram
    As coisas se passaram bem como ele quis
    Ardida, surgiu uma ferida no coração da vida
    E deixou cicatriz

    Agora, pelos mares afora, a natureza chora, mataram Iemanjá
    Sutil, a rede envolve o globo, e o homem, como um bobo
    Pensa que isso é pescar!


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