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Contos da Sul (part. Tina)

Pregador Luo

Letra

    Esperança, eu sempre tive esperança
    Sempre acreditei num mundo melhor
    Mesmo quando eu engravidei, ainda sendo de menor
    O pai do meu filho, ele me abandonou
    Mas ainda sim, eu acreditava nas pessoas
    Acreditava que talvez um dia pudesse ser feliz

    Eu estudava, procurava de todas as formas ser uma mulher honrada
    Sonhava com um futuro melhor pro meu filho e minha família
    Todo dia cedo ia do Jardim Ângela pro Centro à procura de um emprego
    Meus pais ganhavam pouco, eu tinha que ajudar no sustento da casa
    Um dia recebi um telegrama, dizia que eu estava contratada
    Naquele dia fui dormir em paz, pois logo estaria empregada

    No primeiro dia de trabalho eu estava muito feliz
    Pois minha vida estava começando a ser
    Como eu sempre quis que fosse
    Todos no escritório foram gentis e doces
    Passou a manhã, veio a tarde, o primeiro dia se foi
    Fui para casa naquelas condições, condução lotada
    Porém, feliz, estava empregada

    Segundo dia de trabalho fiquei até mais tarde, a pedido do meu patrão
    Pois havia uma reunião e eu não podia recusar
    Pois havia o risco dele me dispensar
    Deu 21:30, saí, desci, sentido Praça da Bandeira
    Apertei o passo, fui ligeira
    No caminho a Santo Amaro
    Toda parada dormia e acordava, e nada
    Não via a hora de chegar

    Desci do ônibus, olhei no relógio: 23:30
    Vi a rua escura, vazia e molhada
    Só eu, Deus e mais nada
    Fui pelo caminho normal, beirando o matagal
    Tive um presságio mal, parecia que estava próximo o meu final
    Mas que nada, nem terminei o colegial
    Besteira, pensamento normal

    Antes fosse
    Meu pensamento foi interrompido por três indivíduos
    Que não foram doces
    Uma pancada na cabeça me deixou atordoada
    Lembro de ver o mato se abrir e pra dentro ser arrastada
    Tive minha roupa rasgada, fui estuprada, torturada
    Meus sonhos foram sumindo até se transformar em nada
    Dois dias depois fui encontrada morta
    Com a cara desfigurada, desfigurada

    Contos da Sul, contos da Sul
    Contos da Sul, contos da Sul
    Contos da Sul, contos da Sul

    Lá no Nordeste
    Eu sempre escutava falar que São Paulo era a terra da oportunidade
    Imaginava que vindo pra cá
    Eu poderia me transformar em alguém de verdade
    Onde eu morava tinha seca, faltava água e a comida nunca dava
    Acabei vindo pra São Paulo, cheguei aqui sem nada
    Só com a esperança de com o meu trabalho
    Conquistar meu carro, minha casa
    Mandar dinheiro pros meus irmãos
    Não demorou pra eu perceber que era tudo ilusão

    Acabei tendo que me sujeitar
    A maioria dos que vem do Norte acaba sempre na periferia
    Fui parar num lugar chamado Capão Redondo
    Onde o crime é cruel o tempo todo
    Polícia versus ladrão
    Aqui eu era só mais um servente de pedreiro
    Sem nenhuma qualificação

    Logo arrumei um trampo numa construção
    Emprego de peão, mas para mim já estava bom
    Tinha almoço e janta, 100 reais para começar e um lugar pra se alojar
    Eu não podia reclamar
    A memória do meu pai eu jurei que iria honrar
    Ele dizia pra eu trabalhar e nunca, jamais roubar
    Também dizia que isto estava escrito na Bíblia em algum lugar

    Três meses completou que estou em São Paulo
    A mão cheia de calo, o trabalho é pesado
    Cinco da manhã já estou acordado
    Ah, como eu queria ter estudado
    Deito e levanto nisso desde que cheguei aqui
    Daqui nunca sai nem mesmo pra me divertir

    Chegou sexta-feira
    E os outros caras me chamaram para ir no bar
    Tomar um trago, jogar carta, dominó ou bilhar
    Que mal há os acompanhar?
    Tava contente, pois pra mim era um presente
    Um trabalho de verdade, sentia orgulho, eu era gente

    De repente um Opala freou bruscamente na porta do bote
    E eu fiquei esperto
    Dois cara armado, o de capuz na cara entrou
    Um deles gritando perguntou quem era o Baiano
    Me levantei da mesa onde estava sentado, tremendo, suando
    Assustado, pois esse era o apelido que os mano da obra tinha me dado
    O cara de capuz que tava com a automática na mão
    Me mandou deitar no chão, chamou o outro, engatilhou

    Apontou pra minha cabeça e fuzilou
    A única coisa que me lembro é do meu sangue escorrendo
    E os cara saindo correndo
    Antes de morrer ouvi alguém dizer
    Que o Baiano que os cara procurava era o nóia da área
    Que cheirava e não pagava, não pagava, não pagava

    Contos da Sul, contos da Sul
    Contos da Sul, contos da Sul
    Contos da Sul, contos da Sul

    Na periferia é sempre assim
    O pior fica pra você, o pior fica pra mim
    Crescer sem pai, sem mãe, é difícil
    O fato de saber que eles morreram num assalto
    Me deixa revoltado, morô?
    Ai de mim se não fosse o meu avô
    Que me criou, me botou na escola
    Se não fosse ele, acho que nem tava mais vivo

    Mas aí, tá vivo até hoje acho que é meu castigo
    Têm marcas que nunca vão ser apagadas
    Têm feridas que vão doer pra sempre na alma da gente
    A estrada que eu tô até hoje, não tem volta
    Também não dá pra ir pra frente
    Quando era pivete, imaginava que tudo fosse diferente
    Diferente, diferente, diferente

    Lembro-me na infância, eu um moleque cheio de esperança
    Correndo no campão de terra atrás da bola
    Perdi a conta de quantas vezes cabulava na escola
    O dia todo debaixo do Sol
    A única coisa que eu queria era ser um jogador de futebol
    Era melhor que a maioria dos moleque
    Jogava o dia todo e para mim não tinha breque

    Meu avô que me criou sempre me apoiou
    Foi ele que me levou a primeira vez no estádio
    Quando vi o campo meus olhos brilharam
    Meu avô era o único que comigo se importava
    Ele era a única pessoa que eu tinha
    Minha família e eu o amava

    O tempo passando e eu sempre no campão treinando
    Já estava com dezessete
    Fiz vários testes no Corinthians, São Paulo, Palmeiras
    Mas consegui entrar no Juniores da Portuguesa
    Meu avô bancava tudo, até minha chuteira
    Era ponta firme
    Queria me ver titular do time, longe do crime

    Um dia eu estava treinando no campão junto com os outros mano
    Quando vi um maluco se aproximando
    Parou o jogo, chamou todo mundo de canto
    Olhou pra mim, me deu um barato estranho
    Percebi que era um pó branco
    Mesmo sabendo o que era resolvi experimentar
    Foi ali que minha vida começou a mudar

    Perdi minha paz, sempre queria muito
    Sempre queira mais e mais
    Esqueci o futebol e agora jogava o jogo de Satanás
    Minha vida passou a ser outra
    Não demorou muito e eu estava envolvido com os parceiros da vida louca
    Mano, como tudo mudou em apenas um ano
    Não conseguia me libertar
    Não tava com disposição nem mais para saltar

    Era dia do meu avô retirar a aposentadoria
    Ele chegou em casa, tinha acabado de receber
    No descontrole, segurei-o e comecei a bater
    Tava na nóia brava
    Ele gritava, dizendo que me amava
    Eu não ouvia e nem me importava
    Mas no fundo, em algum lugar, aqueles gritos machucava

    Revistei-o por inteiro, mas ele tinha escondido o dinheiro
    Saquei o oitão e pá, dei o primeiro
    Tentou me explicar que tinha guardado para me pagar um tratamento
    Infelizmente nem deu tempo
    Sem dó descarreguei a arma
    Naquele momento matava a única pessoa que me amava
    Naquele momento eu perdi a minha alma
    Hoje só tenho lembranças e mais nada

    Atrás das grades do Carandiru até minha honra foi tirada
    Preso há quatro anos, sem previsão para sair
    Estupro, espancamento
    E o vírus que está me consumindo por dentro
    Mano, eu só lamento
    Meu Deus, como eu queria poder voltar no tempo, tempo
    Poder voltar no tempo, tempo
    Poder voltar no tempo, tempo

    Contos da Sul, contos da Sul
    Contos da Sul, contos da Sul
    Contos da Sul, contos da Sul

    As injustiças, as desigualdades
    Um dia vão ter um fim
    O Sol da justiça vai brilhar na periferia, morô?
    O sangue vai deixar de escorrer pela calçada
    A pivetada vai estar segura por aí, correndo
    As mães não usarão mais luto pelos seus filhos
    Não haverá mais tiros, nem sirenes
    Não vai ter mais humilhação pela polícia
    Nem corpos no chão, à espera da perícia

    As prostitutas e o dinheiro não vão salvar ninguém, morô?
    A BMW do boy não vai servir pra nada
    Nem as joias, nem o ouro, nem a prata
    Está chegando o dia da justiça
    O dia da redenção dos humildes
    Está chegando o dia da Segunda Vinda, a Cura
    Segunda vinda do filho de Deus, Jesus
    O Senhor dos senhores
    Reis dos reis

    Então, escuta com atenção
    Confia Nele, meu mano
    Confia Nele, mina
    Só mesmo Deus pra dar paz na sua vida
    A paz não é um sonho
    Sua palavra, Senhor, é lâmpada pros meus pés
    Guia-me pelas veredas da justiça
    Ele virá, vai voltar pra buscar os justos, os humildes

    De todas as quebradas
    Do Jardim Guarujá, Vila Moraes, Vila Nhocuné, Vila Cachoeirinha
    A paz não é um sonho, Eliópolis
    Campanário, Jardim Herculano
    Vocês vão ter paz quando Ele voltar
    Monte Azul, Vila Brasilina, Jardim São Bento, Jabaquara
    Jardim Damasceno, Parada de Taipas, Morro do Macaco

    Aí mano, a paz não é um sonho, escuta o que eu tô te falando
    Aí, é muita treta, mas Ele vai voltar
    Acredita nisso, periferia

    Composição: Pregador Luo / Tina. Essa informação está errada? Nos avise.
    Enviada por George. Legendado por christyan. Revisão por christyan. Viu algum erro? Envie uma revisão.

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